Arvorezinha

Se encontram castos nos galhos:
rostos de gente, restos de tempos
e lugares em fins.

Ah... sentimentos oblongos despencam dali
em tardes de chuvas rubras.

Esse lugar pequenino
que me mostras
na palma da tua mão
enquanto escapulimos ébrios
pela noite adentro
se chama tudo.

Piuí piuí...

Engambelado em trapos
segue em passos rotos
sobre gente estampadas
com cracas tolas pisadas
por paralelepípedos gastos
velozes no mesmo lugar
o bom e velho Adolfo
fingindo de sóbrio, olhando o relógio
apertando o passo pra não perder o trem.

Mas pera lá...
nessa cidade de santos ocos
e prédios tortos
recheados com tantos loucos
não temos trens!

NÃO TEMOS TRENS!

Sobre as coxas dessa pequena
descançam pólens de flor
interessantes por serem pólens
sobre as coxas dessa pequena.

Debaixo dessa lua lerda
de outono desgovernado
me acho nu e estatelado
pelado a zunir murmúrios
de satisfação impessoal
por sempre conseguir
nada que quero.

Pessoas

Pessoas....
ah....
essa pessoas!

Pedais de efeitos estereofônicos
distorcem o rumo dos meus pensamentos
dão-lhes ecos e reverberações acionadas
pelo pisar de botões
com o pé direito.

Incenso aceso
pra perfumar
o cheiro ocre
dessa manhã
de tédio frio
e chuva fina.

Telemarketing

Depois de dois banhos quentes
pra passar o tempo
o telefone tocou
poderia ser você
mas era uma operadora
de telemarketing tentando
em vão
me vender um seguro
de vida.

Depois de dois banhos quentes
o telefone tocou
mas era uma operadora
em vão
de vida.

Pra passar o tempo
poderia ser você
de telemarketing tentando
me vender um seguro.

Alpinista brasileiro
morre ao tentar escalar o Everest
lavador de pratos mineiro
morre ao tentar escapar de assalto
na Avenida Paulista.

Vontade de tacar fogo em tudo
e acender um cigarro na brasa

olha que nem fumo mais.

Apesar de todas as intempéries
tu és o lugar
onde eu gostaria de estar.

Tagarelando em metáforas tolas:
destampa esse pote fechado a vácuo
que o ar entra
como um vento morno
desses que sopram
nos domingos bons.

Sim, quase e talvez

Sim, fui eu
o responsável por toda essa tragédia
me fiz de traça
pra corroer as folhas do caderno
em que escrevias teus sonhos.

Quase me engasgo
com os garranchos das tuas letras
mastigo até hoje
as frases dos teus
mais nobres e tortos delírios.

Talvez assim
findada a digestão
na hora da sesta
eu possa gravitar um dia
de mãos dadas com teu pulso aberto
num campo de gramado roxo
nos pomares do teu sonhar.

Passaporte estrangeiro

Um passo de cada vez
e se chega a água
até lá
os cães suspiram por Frida Kahlo
que sente sede.

Partirás voando, numa dezena de dias
para o outro lado do mundo
muito além da água embaçada
dessa lagoa
água essa
que nem Frida pode beber.

Ah, o outro lado do mundo...

Quantos idiomas consegues mesmo falar?

Podes guardar a palavra saudade
falada em outra língua
dentro do céu
da minha boca
de dente torto?

É que as pessoas guardam
esse hábito: guardar saudades
mesmo nunca tendo se aproximado

tanto

elas guardam saudades.

Essas pessoas....
algumas mastigam meus lábios.

Agora entendo
que o mundo inteiro
está dentro dos teus olhos
oceânicos
mas não pude ver
onde fica a Noruega.

Boa viagem,
mande cócegas
num envelope selado pra mim.

Espinhos

Se apaixonara tão cegamente
que finalmente o fizera:
agarrara-se àquele cactus
como se fosse a última forma de vida
capaz de encontrar
e o amou para sempre
com beijos de língua
e tudo mais.

Um lindo dia

Que dia lindo
se espalha lá fora!

Ilude os olhos
com a mais clara luz
encanta os ouvidos
com os mais doces sons.

Que lindo dia
se esparrama lá fora!

Tão lindo
que mal posso acreditar.

Está me cheirando a gracejo
de um pândego qualquer.

Melhor ficar em casa.

Buracos na estrada

Voltando de uma viagem
uma longa jornada ao Mato Grosso do Sul
fui obrigado a ouvir música sertaneja
cuspida pelos alto falantes
do ônibus em que eu viajava.

A cada buraco na estrada
por alguns breves segundos
o compact disc falhava
se fazia um momentâneo...


...silêncio.

Nunca me senti tão feliz
por existirem estradas tão ruins
ao longo do meu Brasil.

Tomorrow's trip

Number five is coming, twice
i'm gonna roll along the road
stay in my way floating to
large bushes from the south
straight to the big field.

Existem muito mais realidades
com os olhos fechados
sonhando.

O sapo

Foi sempre assim
eu juntando os erros mais lindos
debaixo da aba do meu chapéu
sabe... pra mascar depois.

São sempre dias com exatas
três milhões duzentas e vinte e oito mil horas
chutando ossos pra não perder costume
sabe, tradição de anos de dois dias longos
um dia dia e um dia noite.

Agora mudou
com a enxente do dia noite passado
toda poeira encrustrada foi-se embora
deve estar seguindo o veio
de algum rio turvo qualquer.

Pra falar que não sobrou mais nada
depois de toda essa pendenga
libertei você da tinta
e deixei o seu sapo fugir.

Que venha o dia dia!